Em um cenário de consultas apressadas e diagnósticos padronizados, uma nova geração de profissionais tem buscado resgatar um valor antigo — o cuidado. E não se trata apenas de gentileza ou acolhimento, mas de uma prática clínica rigorosa, atenta e profundamente humana, que vem ganhando cada vez mais espaço nas áreas da clínica médica e dos cuidados paliativos. No Amazonas, a médica Lorena Praia busca difundir cada vez mais esse modelo que prioriza a escuta e o atendimento individualizado.
“Cuidar é ouvir de verdade. É perceber que, por trás dos sintomas, existe uma pessoa com história, medos e prioridades. Às vezes, só isso já muda completamente o desfecho”, afirma Lorena, que une em sua formação as especialidades de clínica médica e cuidados paliativos. Lorena representa um perfil de médico que investiga com profundidade, valoriza a experiência do paciente e aposta em abordagens personalizadas para amenizar dores físicas e emocionais — inclusive antes de um diagnóstico fechado.
Esse olhar mais atento e empático é especialmente decisivo nos casos em que o paciente já passou por diversos profissionais sem obter respostas claras. “Muitas pessoas convivem com sintomas crônicos sem diagnóstico preciso. Na clínica médica, com uma escuta ativa e raciocínio clínico bem estruturado, conseguimos encontrar pistas que foram negligenciadas. Isso reduz a frustração e melhora a qualidade de vida”, explica.
Já nos cuidados paliativos, Lorena atua com pacientes que enfrentam doenças graves, como câncer, Alzheimer ou insuficiências orgânicas avançadas. Aqui, o foco não é apenas tratar a doença, mas proporcionar dignidade e bem-estar em qualquer estágio. “Existe uma ideia equivocada de que cuidados paliativos são apenas para o fim da vida. Hoje, sabemos que eles devem começar junto com o diagnóstico, especialmente em casos de doenças complexas ou incuráveis. Isso muda a trajetória do paciente desde o início”, diz.
Inspirada por vivências na UTI, na oncologia e em comunidades da Amazônia, Lorena construiu um modelo próprio de atuação que respeita a história, a cultura e a vivência dos pacientes. “A medicina não pode ignorar a cultura, o território e o cotidiano do paciente. Às vezes, devolver a possibilidade de tomar um chá à noite, com segurança, é mais eficaz do que um novo comprimido”, conta, citando um caso em que reavaliou o uso de fitoterápicos de uma paciente hepática com base em artigos científicos.
Seu símbolo de trabalho, inclusive, reflete essa visão: a casca da tartaruga, que representa proteção, sabedoria e ancestralidade amazônica. “Cuidar é proteger, acompanhar, dar tempo ao tempo. É o que a medicina precisa resgatar”, afirma.
No Brasil, esse movimento já começa a ganhar respaldo institucional. A Política Nacional de Cuidados Paliativos, lançada recentemente, prevê a expansão desses serviços no SUS. E, em estados como a Bahia, já há hospitais 100% voltados a essa prática. No entanto, a realidade ainda é desigual — e a Região Norte carece de especialistas e estrutura. “Precisamos divulgar, formar e estruturar. As pessoas têm direito a um cuidado digno, onde quer que estejam”, defende Lorena.
A médica tem buscado dar visibilidade aos cuidados paliativos na Região Norte, onde o acesso à medicina especializada é ainda mais limitado. “Estar longe dos centros urbanos não pode ser sinônimo de abandono. Todos merecem cuidado, escuta e dignidade, independente da geografia.”
Para ela, o Brasil ainda precisa avançar muito. “Somos um dos países onde mais se sofre na hora de morrer. Precisamos discutir a morte com a mesma naturalidade com que falamos do nascimento. E, acima de tudo, garantir dignidade nesse processo.”
Mais do que uma tendência, a medicina do cuidado representa uma mudança de lógica: menos automatismo, mais presença; menos protocolo, mais escuta. E, nesse processo, profissionais como Lorena Praia têm se tornado ponte entre uma medicina tecnológica e uma medicina verdadeiramente humana.