Por Débora Dourado – RDA | Manaus (AM)
Manaus registrou ao menos dois acidentes fatais e uma ocorrência com amputação traumática nas últimas semanas, todos associados a falhas na infraestrutura viária — notadamente, a presença de buracos em vias públicas.
A cada buraco que se abre no asfalto, escava-se também uma cova — às vezes de um braço, às vezes de uma mãe e de um filho que nem chegou a nascer. É uma ferida urbana que não cicatriza, apenas se alarga, mesmo sob camadas de asfalto novo e promessas recicladas.
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Na última semana de julho, mais um corpo foi esmagado pela omissão. Yan Figueiredo Carvalho caiu de moto ao atingir um buraco na rua Y, no bairro Nova Esperança. Caiu e foi atropelado por um ônibus. O braço ficou. Ele sobreviveu — mas em pedaços. O acidente foi registrado por câmeras, compartilhado nas redes e, por algumas horas, a cidade pareceu escandalizada. Depois, seguiu.
Mas há uma cronologia dessa tragédia que se desenha com precisão estarrecedora:
22 de junho: Geovana Ribeiro, 29 anos, grávida de sete meses, morre após cair com o marido em um buraco na Djalma Batista. O bebê morreu com ela. A Prefeitura informou, após o enterro, que o trecho estava “em manutenção”.
23 de julho: um ônibus tomba em um buraco no Armando Mendes. Passageiros escapam pelas janelas.
28 de julho: Yan perde o braço.
Antes disso, um pedestre foi esmagado por um caminhão que desviava de outro buraco. Um vereador precisou tapar cratera com cimento do próprio bolso.
Essas não são exceções. São o padrão. São o retrato do que acontece quando a Prefeitura de Manaus se ausenta de onde deveria estar — no meio da rua.
A cidade que cai
Entre janeiro e junho de 2025, 112 pessoas morreram no trânsito em Manaus. Os dados do Instituto Municipal de Mobilidade Urbana (IMMU) mostram queda nas colisões e choques. Mas as “quedas” aumentaram 366% — saltaram de 3 para 14 casos. Um número que grita, mas que não parece ecoar nos gabinetes dos vereadores de Manaus.

Motociclistas, que já somam quase 400 mil veículos na cidade, são os alvos mais vulneráveis. Representam 47% das mortes: um buraco que sacode um carro, mata um motoboy.
Especialistas afirmam o óbvio: onde há falha no pavimento, há risco. E onde o risco é ignorado, o desastre é planejado.
Tapar buraco ou encobrir culpa?
A Prefeitura tem seu discurso pronto: programas de asfaltamento, cronogramas, georreferenciamento. O “Asfalta Manaus”, lançado pela gestão atual, prometeu recuperar 10 mil ruas da cidade. Até agora, pouco mais de 6 mil teriam recebido algum tipo de intervenção. O investimento já ultrapassa R$ 2 bilhões, entre recursos próprios e repasses do Estado.
Mas quando se morre em via que estava “em manutenção”, a pergunta não é quantas ruas foram asfaltadas, mas quantas vidas foram deixadas pelo caminho.
A morte de Geovana gerou pedidos de CPI na Assembleia Legislativa. Um deputado chamou o episódio de “homicídio culposo”. As placas improvisadas por moradores com frases como “Buraco do meu prefeito” foram removidas por agentes públicos. A resposta ao buraco foi apagar o protesto — não resolver o problema.
A cidade que se protege sozinha
Se o poder público falha, resta ao cidadão a proteção por conta própria — com cimento improvisado, placas de papelão, e, quando possível, com processo judicial.
A Justiça do Amazonas já reconheceu a responsabilidade do município. Em decisão anterior, condenou a Prefeitura de Manaus e a concessionária Águas de Manaus a indenizar um motociclista em R$ 150 mil por danos decorrentes de um acidente causado por um buraco não sinalizado em via pública. A sentença foi clara: havia nexo causal. Havia omissão.
E toda omissão tem consequência.
O que diz a SEMINF?
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