MANAUS (AM) – O Festival “Sou Manaus Passo a Paço 2025“, que está sendo realizado entre os dias 5 e 7 de setembro, com shows distribuídos em 17 palcos no Centro Histórico da capital amazonense, trouxe de volta antigas polêmicas. Além do debate sobre a falta de transparência da prefeitura, sob a gestão de David Almeida (Avante), com os custos milionários com artistas nacionais, há ainda queixas sobre o tratamento desigual em relação aos artistas locais e a descaracterização do evento com relação ao seu conceito inicial. A reportagem é da Revista Cenarium.
O evento surgiu para ser um festival de artes integradas em Manaus, entre os feriados da Elevação do Amazonas à categoria de Província e a Independência do Brasil, celebrados nos dias 5 e 7 de setembro, respectivamente. Antes de ser rebatizado como #SouManaus Passo a Paço, em 2023, o Festival “Passo a Paço” havia sido uma ideia do ex-vice-presidente da Manauscult na época, Zezinho Cardoso, com um trocadinho entre palavras do mesmo fonema com significados diferentes. No caso passos ao andar com o Paço de palácio, no caso o Paço da Liberdade – Museu da Cidade de Manaus.
“O prédio poderia ser o ícone de um evento da prefeitura que valorizasse o patrimônio histórico e apresentasse o primeiro museu municipal à população, além de valorizar e de difundir as diferentes artes produzidas na capital, com atrações nacionais como convidadas”, explica Rila Arruda, mestre em Sociologia também pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e pesquisadora de políticas culturais desde 2007.
A ideia original, segundo Rila, era tornar o evento arte integrante do calendário oficial anual, dando assim uma ação efetiva de valorização que nem outro prefeito posterior pudesse retirar. Passados dez anos de evento, o seu objetivo inicial foi totalmente deformado, afirma a pesquisadora.
“Houve uma completa descaracterização do festival em detrimento de apenas um grande festival musical sem curadoria e sem comprometimento com a produção local, desde as escolhas, ao tratamento e ao cachê oferecido aos artistas de Manaus”, lamenta. “Atração nacional sempre teve, mas não deveria ser uma prioridade de um evento que um objetivo muito claro na lei. E o museu nisso tudo? Virou mero cenário de fundo”, reclama.
Críticas de artistas locais e visitantes
Entre visitantes e trabalhadores do setor cultural de Manaus, continuou a percepção de disparidade no tratamento entre artistas locais e nacionais. Enquanto grandes nomes recebem cachês milionários e estruturas completas de palco, luz e divulgação, músicos e grupos regionais apontam dificuldades para se inserir na programação com condições equivalentes.
“Meus conhecidos só pegam participações pequenas, participações mínimas. Não negam porque precisam do dinheiro. É triste”, disse um profissional do setor artístico local que pediu para não ser identificado.
A disparidade de tratamento também ficou clara na infraestrutura do evento. “Ontem eu estava no evento. O palco dos artistas locais foi colocado como passagem pra quem saia do show do palco grande, então no meio do show tinha um fluxo de gente do nada”, reclama a advogada Veridiana Tonelli. “Não consegui passar no espaço urbano. Sempre tem muitas reclamações por lá”, lamentou.
Cachês milionários
A lista de artistas nacionais e seus cachês estimados inclui Gusttavo Lima (R$ 1,2 milhão), Bruno & Marrone (R$ 1,1 milhão), Ivete Sangalo (R$ 1 milhão), Simone Mendes (R$ 650 mil), Joelma (R$ 300 mil), Xamã (R$ 250 mil), Ludmilla (R$ 300 mil), BK (R$ 300 mil), Calcinha Preta (R$ 300 mil), Pablo (R$ 300 mil), Poesia Acústica (R$ 300 mil), Dubdogz (R$ 300 mil), MC Livinho (R$ 300 mil), Paralamas do Sucesso (R$ 300 mil), Xand Avião (R$ 300 mil), Padre Alessandro Campos (R$ 300 mil), Fernandinho (R$ 300 mil), Eli Soares (R$ 300 mil), Paula Toller (R$ 300 mil) e Péricles (R$ 300 mil).
O cálculo desses valores foi feito com base em informações de rankings nacionais de cachês em 2025, dados divulgados em outros festivais e valores médios praticados por artistas do mesmo porte. Gusttavo Lima, Bruno & Marrone, Ivete Sangalo e Simone Mendes aparecem entre os nomes mais caros do País. Joelma e Xamã tiveram como referência os valores pagos em eventos recentes, enquanto os demais artistas foram estimados na faixa de R$ 250 mil a R$ 400 mil.
Somados, os cachês nacionais devem custar aproximadamente R$ 8,7 milhões aos cofres públicos e patrocinadores. A própria Prefeitura de Manaus já havia informado que, mesmo com 80% do evento bancado por patrocínios, seriam desembolsados, no mínimo, R$ 17 milhões, sendo ao menos R$ 7 milhões destinados apenas a artistas.
Falta de transparência nos custos do festival
Os gastos explicados nos parágrafos anteriores são apenas estimativas. Isso porque apesar de o evento ter sido amplamente divulgado nas plataformas oficiais da Prefeitura de Manaus, como o portal institucional e o site oficial do festival, informações detalhadas sobre os custos específicos, como os cachês dos artistas nacionais, não estão disponíveis no Portal da Transparência.
Vale lembrar que a divulgação dos gastos públicos é determinada tanto na Constituição Federal de 1988, que assegura o direito de acesso à informação (art. 5º, inciso XXXIII, e art. 37, caput), quanto na Lei de Acesso à Informação (Lei Federal nº 12.527/2011), que obriga órgãos públicos a disponibilizarem dados sobre execução orçamentária e financeira de forma clara e acessível.
Além disso, a própria Lei Orgânica do Município de Manaus e regulamentações do Portal da Transparência da Prefeitura reforçam essa obrigação, estabelecendo que despesas como contratos de shows e festivais municipais devem ser publicadas para controle social.