A Câmara Municipal de Manaus (CMM), que deveria ser o espaço da pluralidade política e da fiscalização dos atos do Executivo, tornou-se, aos olhos da sociedade, um eco do gabinete do prefeito. As votações recentes, a paralisia fiscalizadora e o silêncio diante de denúncias e requerimentos indicam um fenômeno antigo, mas agora explícito: a subserviência institucional. A reportagem é do Real Time1.
Entre discursos de lealdade e abstenções oportunas, o Legislativo manauara parece ter esquecido seu papel republicano. A cidade assiste, com um misto de incredulidade e resignação, à consolidação de uma maioria que governa por conveniência, não por convicção.
A base que nunca diz “não” e o esvaziamento da fiscalização política
O episódio mais simbólico ocorreu em 12 de março de 2025, quando o prefeito conseguiu aprovar, com 31 votos favoráveis, o aumento do remanejamento orçamentário de 25% para 40%. A proposta passou sem resistência efetiva.
Na prática, isso significa que o Executivo pode movimentar quase metade do orçamento da cidade sem consulta ao Legislativo.
Mesmo vereadores de partidos que, historicamente, não integram a base do governo votaram a favor. O resultado revelou que o prefeito não precisa negociar ideias — apenas benefícios.
“Quando o prefeito distribui obras e cargos, cala a boca de quem deveria falar pelo povo”, comentou, sob anonimato, um servidor de carreira da Casa. “Aqui, quem questiona perde o gabinete. E quem se abstém ganha o asfalto do bairro.”
Entre o silêncio e o favor
A subserviência legislativa não nasce de súbito. É alimentada por um sistema de dependência orçamentária e de favores políticos, típico de administrações que confundem governabilidade com cooptação.
Na CMM, o padrão é claro:
• Projetos de interesse do Executivo tramitam em regime de urgência.
• Requerimentos de informação ficam esquecidos nas gavetas das comissões.
• Propostas de CPI evaporam diante de telefonemas discretos e acenos de gabinete.
O resultado é uma Câmara que aprova tudo e questiona nada.
Os três blocos do plenário
A análise dos votos e das movimentações políticas permite dividir o Legislativo em três blocos:
1. A base fiel, formada por parlamentares com cargos indicados, emendas liberadas e presença constante nas agendas do prefeito.
2. A base eventual, que vota conforme a conveniência do momento, oscilando entre o apoio e a abstenção.
3. A oposição real, pequena, barulhenta e frequentemente isolada — composta por vereadores que, mesmo sem estrutura, insistem na função fiscalizadora.
A abstenção, nesse contexto, virou a nova forma de lealdade: quem não vota contra, ajuda o governo sem se comprometer publicamente.
Quando o Executivo controla o Legislativo
Em democracias maduras, o Legislativo existe para conter excessos e equilibrar poderes. Em Manaus, porém, a relação se inverteu.
O Executivo dita a pauta, define os tempos de tramitação e intervém até nos cargos internos da Câmara. A presidência, longe de ser um contrapeso, tornou-se um braço auxiliar do prefeito.
O problema não é apenas ético; é estrutural.
Sem fiscalização, abrem-se brechas para ineficiência, desperdício e falta de transparência. E quando o Legislativo abdica de sua missão, a sociedade perde o único instrumento de controle que lhe resta dentro do poder público.
Subserviência: um nome antigo para uma prática moderna
O termo é forte, mas preciso.
Subserviência é a renúncia à autonomia em troca de proteção, prestígio ou conveniência. Em política, significa votar com o governo por medo de ficar sem benesses.
O historiador Raymundo Faoro já dizia que o patrimonialismo brasileiro criou um “Estado proprietário”, onde os cargos e recursos públicos são instrumentos de dominação.
Na CMM, o fenômeno é visível: o prefeito manda, o Legislativo obedece — e o povo assiste.
O risco de 2026
A médio prazo, essa relação de submissão pode ter um custo eleitoral alto.
O vereador que hoje comemora pequenas obras pode ser cobrado amanhã por ter fechado os olhos diante de irregularidades. A história política de Manaus mostra que prefeitos passam — mas o desgaste da Câmara costuma permanecer.
A eleição de 2026 testará se o eleitor manauara continua tolerando a omissão travestida de lealdade. A cada votação unânime, a cada silêncio conveniente, o Parlamento municipal cava sua irrelevância.
A subserviência legislativa é mais do que uma escolha tática — é um sintoma de decadência institucional. Enquanto vereadores se contentam com migalhas orçamentárias e abstenções calculadas, a democracia municipal definha em plenário.
Se a Câmara quer reconquistar sua dignidade, precisa recuperar o que perdeu no caminho: a coragem de dizer “não”.


