| DÉDOBA DOURADO, DO RDA
A Câmara Municipal de Manaus (CMM) acaba de dar um novo significado à expressão “cuidar dos seus”. Em votação relâmpago nesta segunda-feira (25), os vereadores aprovaram um projeto de lei que concede acesso ao plano odontológico da Casa a ex-vereadores e seus familiares. A proposta, embalada pela justificativa de oferecer assistência a quem já serviu à população, foi aprovada por 17 votos a 9 — sem o uso do painel eletrônico, ferramenta que permite registrar individualmente os votos dos parlamentares.
Embora seja apresentado como um benefício “não gratuito” — uma vez que os ex-parlamentares deverão arcar com o valor integral do plano —, o projeto levanta dúvidas sobre sua real necessidade e impacto orçamentário. Isso porque os planos são especiais, negociados pela CMM com o Grupo Executivo de Assistência Patronal (Geap Saúde), oferecendo condições vantajosas que não estão disponíveis para o cidadão comum.
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O momento da aprovação não passou despercebido. A proposta surge poucas semanas após as eleições municipais de outubro, que resultaram na derrota de 13 vereadores, incluindo o atual presidente da Casa, Caio André (União Brasil). Agora, sob a justificativa de “apelo de ex-vereadores” que alegam dificuldades em manter assistência médica após o término de seus mandatos, a CMM amplia um benefício que já pressiona o orçamento.
Impacto no orçamento da Câmara
O orçamento da Câmara Municipal para 2025 já foi aprovado com um aumento significativo de 12,6%, somando R$ 301,2 milhões — um salto de R$ 33,8 milhões em relação ao ano anterior. Apenas para custear os planos de saúde e odontológico de servidores ativos, inativos e aposentados, a previsão é de R$ 18,4 milhões.
Essa quantia, que já inclui o novo benefício para ex-vereadores e familiares, compromete um orçamento que deveria priorizar atividades legislativas e de fiscalização. Com mais de R$ 16 milhões destinados a essas atividades e R$ 4 milhões reservados à divulgação, a Câmara parece equilibrar ações essenciais e gastos questionáveis em uma balança que nem sempre favorece o interesse público.
Transparência em questão
Um ponto controverso foi a forma como a votação foi conduzida. Dos 41 vereadores, 15 não estavam presentes, deixando apenas 26 parlamentares para decidir sobre o tema. O uso do voto simbólico, sem registro eletrônico, obscurece ainda mais a transparência do processo.
Entre os que se opuseram ao projeto, nomes como Rodrigo Guedes (PP) e Thaysa Lippy (PRD) criticaram a medida. “O orçamento da Câmara deve priorizar ações que beneficiem a sociedade, não criar vantagens para quem já não está a serviço do povo”, argumentaram.
Desalinhamento com as prioridades do cidadão
A medida, embora justificada como uma forma de assistência, levanta um questionamento essencial: qual o custo real de estender benefícios para quem não exerce mais mandato? Enquanto a população enfrenta desafios com saúde pública precária e orçamentos familiares apertados, a decisão da Câmara soa como um descompasso gritante.
Embora o projeto seja defendido como uma forma de “amparar” ex-parlamentares, ele ilustra como o interesse corporativo pode sobrepor-se às prioridades coletivas. Mais do que nunca, os manauaras precisam cobrar dos seus representantes um compromisso claro com as demandas populares e a responsabilidade fiscal. Afinal, quem cuida do cidadão enquanto a Câmara cuida de si mesma?