Atendendo a pedido do Ministério Público Federal (MPF), a Justiça Federal no Amazonas concedeu liminar para suspender a homologação, adjudicação (ato pelo qual a Administração atribuiu ao licitante vencedor o objeto da licitação) ou assinatura de contratos de concessão de quatro blocos exploratórios de petróleo e gás situados na Bacia Sedimentar do Amazonas e da Área de Acumulação Marginal do Campo do Japiim, até que sejam ouvidas as comunidades indígenas e tradicionais impactadas pelas atividades.
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Pela decisão, a União e a Agência Nacional do Petróleo (ANP) ficam impedidas de assinar contratos com as empresas Atem Distribuidora e Eneva SA, que adquiriram em leilão o direito de explorar os blocos AM-T-63, AM-T-64, AM-T-107, AM-T-133 e o Campo do Japiim, ofertados no 4º Ciclo da Oferta Permanente de Concessão de blocos exploratórios de petróleo e gás.
A Justiça também determinou que as empresas vencedoras não realizem qualquer atividade exploratória, de pesquisa ou de estudo nas áreas arrematadas até a oitiva das comunidades.
O direito de povos indígenas e comunidades tradicionais à consulta prévia, livre e informada em caso de empreendimentos que os afetem está previsto na Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Além de ouvir as populações impactadas pelas atividades em todas as áreas objeto de concessão, a liminar estabeleceu que, no caso do bloco AM-T-133, a União adote providências para recortar da área de exploração o trecho que está sobreposto à Terra Indígena Maraguá, ainda não demarcada.
Segundo apontou o MPF, considerando a indefinição em torno do território reivindicado pelos Maraguá, é preciso dar prioridade ao povo originário, como forma de garantir o direito constitucional às terras de ocupação tradicional frente aos interesses empresariais.
Impactos
Desde 2015, o MPF acompanha o caso, apontando que os impactos da exploração de petróleo e gás na região vão ser sentidos em seis terras indígenas e pelo menos 11 unidades de conservação. Em recomendação, o MPF sugeriu que a ANP retirasse dos leilões as áreas com potencial lesivo ao meio ambiente e às comunidades do entorno.
Os blocos AM-T-63, AM-T-64, AM-T-107, AM-T-133 e o Campo do Japiim, no entanto, foram ofertados normalmente e de maneira reiterada, tendo sido arrematados em dezembro do ano passado no 4º Ciclo da Oferta Permanente de Concessão da ANP. A área total de exploração chega a 869.559 hectares, segundo demonstram laudos periciais. De acordo com cronograma da agência, a assinatura dos contratos estava prevista para ocorrer até o mês de julho deste ano.
De acordo com o MPF, os blocos arrematados estão em área de influência direta das terras indígenas Coatá-Laranjal, Gavião, Lago do Marinheiro, Ponciano e Sissaíma, incidindo ainda, parcialmente, em terra reivindicada pelo povo indígena Maraguá, além de afetarem inúmeras unidades de conservação. Para a instituição, permitir exploração de petróleo e gás em locais próximos a terras indígenas sem ouvir as comunidades, especialmente quando uma delas está pendente de demarcação, significa criar uma situação de insegurança jurídica para todos os envolvidos.
Além disso, a exploração de recursos como petróleo e gás gera impactos ambientais antes mesmo da construção de eventuais empreendimentos. “Ao arrematar um bloco, o empreendedor não sabe o ponto exato em que o poço de exploração final será perfurado, devendo realizar estudos para a análise de viabilidade”, esclarece o MPF. Assim, dentro de um só bloco, podem ser perfurados muitos poços até que se chegue a uma localização exata para a exploração final, o que já significa uma intensa interferência ambiental.
A ação aponta que, considerando-se o princípio da precaução, as consultas aos povos potencialmente impactados deveriam ter sido feitas antes da oferta das terras, mas a ANP em nenhum momento levou em consideração a presença de populações indígenas e ribeirinhas na região para decidir sobre o oferecimento dos blocos e para determinar as áreas de exploração. O MPF acrescenta que explorações deste tipo trazem efeitos sociais e especulativos que alteram toda a dinâmica da região, aumentando as pressões sobre os territórios e, por consequência, facilitando o caminho para grilagens e invasões.
Quanto aos aspectos socioambientais, a exploração da área concedida tem o potencial de impactar os modos de vida de milhares de pessoas, uma vez que as áreas são extremamente sensíveis a acidentes ambientais, com alta densidade de fauna e flora, distribuídas em ecossistemas intrinsecamente relacionados aos modos de existência das comunidades que nelas habitam. Para o MPF, é imprescindível uma análise mais aprofundada e cautelosa sobre a possibilidade de exploração antes que qualquer atividade seja iniciada.
A decisão judicial registra que, ao contrário do que argumentam a União, a ANP e as empresas envolvidas, a consulta aos povos impactados deve ser prévia e não pode ser realizada no momento do licenciamento ambiental ou em qualquer outra etapa, sob pena de violação dos direitos dessas comunidades. Os altos valores envolvidos na atividade representam um risco adicional.
“Estão demonstrados os riscos de danos irreversíveis impostos a estas comunidades, caso o certame prossiga, não apenas pela violação do imperativo de que seja prévia a consulta, mas sobretudo por diminuir significativamente as chances de que a participação das comunidades indígenas no processo de tomada de decisões seja efetivamente considerado, quando já consolidadas as expectativas de investimento e quando realizados pagamentos multimilionários, circunstâncias que tendem a calar a vontade destes povos”.
Ação Civil Pública 1005308-95.2024.4.01.3200
Complexo de Urucu, no Amazonas/ Foto: Agência Petrobras/Geraldo Falcão