A secretária nacional de Mulheres do PT, Anne Moura, teria afirmado que comitês de cultura criados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e pela ministra da Cultura, Margareth Menezes, foram usados para eleger aliados em 2024 com o aval da cúpula da pasta. As supostas alegações foram divulgadas nesta segunda-feira, 10, pelo jornal Estadão.
Criado em setembro de 2023, o Programa Nacional de Comitês de Cultura (PNCC) vai custar R$ 58,8 milhões até o final deste ano com ações de mobilização, apoio e formação de artistas. É uma das principais iniciativas da pasta e foi anunciada por Lula ainda na pré-campanha de 2022.
Segundo o jornal, as supostas declarações da secretária, que tem base em Manaus (AM), são de setembro do ano passado, em uma reunião com o ex-chefe do comitê do Amazonas, Marcos Rodrigues. Eles romperam politicamente no fim do ano. O Estadão disse que a conversa foi gravada e registrada em cartório.
Em nota, Anne Moura afirmou que os questionamentos dela à atuação do ex-presidente da entidade cultural “podem estar sendo reproduzidos fora de seu contexto” e que o ex-aliado tenta macular a imagem dela. O Ministério da Cultura afirmou que relato sobre atuação de servidores da pasta é inverídico e informou que o comitê do Amazonas teve atividades suspensas e recursos bloqueados temporariamente para apuração de possíveis irregularidades (leia mais abaixo).
No encontro gravado pelo ex-aliado, Anne Moura exigiu que Marcos Rodrigues envolvesse a estrutura do comitê na campanha dela a vereadora de Manaus – na qual acabou derrotada – e afirmou que a falta de empenho do comitê amazonense na política foi classificada como “um absurdo” pela secretária do MinC que cuida do PNCC, Roberta Martins, do PT do Rio de Janeiro.
Na gravação, ela também aparece reclamando de o comitê escolher artistas para atividades “sem combinar na política quem são os artistas parceiros” e disse que levou sua insatisfação ao conhecimento do secretário-executivo da pasta, Márcio Tavares. Número 2 de Margareth Menezes no ministério, antes de assumir o cargo ele era o secretário nacional de Cultura do PT, cargo do mesmo nível hierárquico do de Anne na estrutura do partido.
“Marcos, quando eu fui lá no MinC agora, da última vez, o pessoal me perguntou: ‘Anne, o comitê tá te ajudando?’ Eu disse: não, Roberta, não tá. Ela tava na sede do PT, na reunião e perguntou: ‘o comitê tá te ajudando? Porque nos outros lugares está tudo ajudando’. Porque eu fui pedir dinheiro também, tô pedindo ajuda para ganhar a eleição. Aí ela disse: o comitê tá te ajudando com alguma coisa nas agendas, nas atividades? O comitê não pode te dar dinheiro, mas eles podem promover atividade para te ajudar. Eles estão te ajudando?’. Eu disse: ‘Roberta, deixa eu falar uma coisa para ti. Temos acordos que não foram cumpridos. E depois que as pessoas sentaram na cadeira pagaram de doidos. Eu decidi que não vou me estressar com isso agora. Eu preciso ganhar a eleição. Então se tu puder me ajudar agora, daqui, na articulação tua e do Márcio, eu te agradeço. Depois, quero sentar e conversar com você sobre isso’”.
O PNCC contrata entidades culturais para receber verba pública e coordenar as ações e atividades de fomento à cultura nos Estados. Como revelou o Estadão, a iniciativa beneficia militantes do PT e ONGs (Organizações Não Governamentais) ligadas a dois assessores do próprio ministério.
No Amazonas, o governo selecionou para coordenação o Instituto de Articulação de Juventude da Amazônia (Iaja), ONG que tem Anne Moura como uma de suas fundadoras e tinha como uns dos diretores Ruan Octávio da Silva Rodrigues (PT). Para coordenar o comitê, o Iaja vai receber R$ 1,9 milhão em dois anos. Militante do PT, Ruan Octávio é aliado dela em Manaus e hoje coordena no Amazonas o escritório do MinC.
O ministério afirma que as seleções das ONGs coordenadoras dos comitês de cultura se deram com base na capacidade técnica e na qualificação profissional dos contemplados. Na gravações, as declarações de Anne Moura, entretanto, indicam influência política e partidária dela na escolha. Segundo afirmou Anne Moura a Marcos Rodrigues, a aprovação do Iaja no Amazonas se deu por pressão dela mesma.
Anne recebeu R$ 428,4 mil do PT para a campanha e conseguiu 2.399 votos. Wanda recebeu R$ 396 mil da Rede e obteve 8.374 votos, número de apoios que superou o de 19 dos 41 vereadores eleitos, mas ela não venceu por causa da somatória necessária na chapa proporcional. O parlamentar eleito com a menor votação teve 3.466 votos.
Ministério da Cultura diz que conversa nunca ocorreu e que paralisou comitê
O Ministério da Cultura afirmou ao Estadão que, ao contrário do que aparece na gravação, Anne Moura não teve conversas com servidores do ministério e que ela não tem relação com a escolha da ONG Iaja para coordenar o comitê de cultura no Amazonas.
Em nota, destacou que a secretária do PT “não é membro do comitê do Amazonas, nunca integrou sua equipe e não participou de qualquer processo relacionado ao Ministério da Cultura ou à seleção do edital de projetos”.
VIA ESTADÃO