A Federal Communications Comission, FCC, órgão regulador dos serviços de telecomunicação dos Estados Unidos, derrubou os regulamentos do Title II da neutralidade na rede na manhã de hoje, tornando possível para os provedores de internet fraturar a rede e cobrar mais caro por alguns pedaços.
Já tratamos dos detalhes técnicos previstos no Title I e II, discutimos como a rede permitiu o florescer de empreendedores criativos e falamos sobre as regras de transparência; mas, o que a votação de hoje significa para o futuro da internet? Vamos mergulhar.
Existem três jogadores principais: as empresas de tecnologia, os provedores de internet e os consumidores.
Os dois primeiros querem a mesma coisa, ganhar dinheiro.
O grupo final, dos consumidores, tem um objetivo diferente: economizar.
E apesar das empresas de tecnologia e os provedores buscarem o mesmo objetivo, estão em lados opostos da cadeia alimentar, com opiniões divergentes sobre a neutralidade na rede.
Vamos usar o Google como exemplo.
Agora que as regras da neutralidade foram desmanteladas, o império encara a possibilidade de pagar mais caro para ter acesso às pistas de alta velocidade (as mesmas por onde navegou nos últimos dois anos).
É o motivo pelo qual o Google, a Apple, o Facebook, o Twitter e outras grandes companhias se opuseram de forma tão vocal à destruição da neutralidade: querem ganhar dinheiro e pagar mais não combina com este objetivo.
Enquanto isso, os pequenos provedores de internet que tentam entrar no mercado enfrentariam os mesmos preços elevados por conexões rápidas, matando a inovação no berço.
Os provedores grandes, por outro lado, querem ter a capacidade de cobrar taxas mais caras.
A decisão de hoje abre o caminho para que os provedores criem múltiplas pistas de velocidade, mas também para que se engajem em práticas antes banidas, como throttling, bloqueio e priorização por pagamento.
Throttling, por exemplo, permitiria a companhias como a Comcast [no Brasil, a Vivo ou a Net] reduzir a velocidade de certos aplicativos ou sites, empurrando as pessoas para serviços alternativos.
A Comcast é a maior provedora dos Estados Unidos e é dona da NBC Universal, que controla o serviço de streaming Hulu.
Se a Comcast quiser dar ao Hulu uma vantagem sobre o Netflix, agora está livre para reduzir a velocidade dele.
Com diabos, poderia até bloquear o serviço totalmente.
Os provedores seriam obrigados a relatar às autoridades quando se engajarem em práticas como o throttling ou priorização por pagamento; a FCC e a Federal Trade Comission (FTC) prometem investigar quando isso acontecer.
Mas, existe uma exceção: se os provedores classificarem suas decisões como resultado de “gerenciamento razoável da rede”, nem precisam informar as autoridades, deixando os consumidores no escuro mesmo que a Netflix cair para uma velocidade de merda.
Os grandes provedores tentaram legalizar o throttling no passado e agora receberam a luz verde do governo dos Estados Unidos para fazê-lo em grande escala, sem regulamentação.
Os usuários de internet perderão poder — ou seja, acesso à informação — com a derrubada da neutralidade na rede.
A decisão de hoje elimina a prestação de contas obrigatória dos provedores prevista no Title II do Telecommunications Act.
Isso significa que eles não precisam mais informar sobre “perdas de pacotes, dados geograficamente específicos ou performance da rede em picos de uso, entre outras coisas”, o que a FCC determinou que é muito trabalhoso [e, certamente, caro para os provedores].
Os usuários dos Estados Unidos tem poucas escolhas de provedores e agora dispõem de menos informações sobre como atuam estas empresas.
Além disso, a decisão de hoje essencialmente legaliza os planos zero, uma prática comum entre as empresas de internet móvel para a qual a FCC deixou de olhar desde que Ajit Pai [indicado por Donald Trump] assumiu em janeiro.
O esquema exclui alguns aplicativos e serviços do teto, o que significa que os usuários podem acessá-los sem pagar extra mesmo que atinjam seu limite.
Alguns provedores diminuem a velocidade da internet móvel assim que o usuário atinge o teto, mas fazem exceção a alguns aplicativos.
Defensores da neutralidade argumentam que tal prática viola o espírito da igualidade, diferenciando entre dados que deveriam receber o mesmo tratamento.
O esquema permite aos provedores que cobrem usuários mais, por exemplo, para acessar aplicativos de concorrentes, uma prática que agora poderá se tornar disseminada [a Globo andando mil vezes mais rápido no seu celular que o Viomundo, por exemplo, se a emissora fizer um acordo, pagar mais e ficar fora do limite imposto a usuários].
Mas, para os consumidores, a decisão de hoje vai além de questões financeiras.
É sobre igualdade, dando às pessoas a mesma fundação sobre a qual podem erigir seus negócios, curtir seus hobbies ou consumir entretenimento.
Cobrar mais por velocidade maior em certos serviços demole a fundação de uma internet aberta e livre.
É por isso que grupos como a American Civil Liberties Union e a Eletronic Frontier Foundation defenderam tão fervorosamente a Title II.
Na idade dos #influencers, das estrelas do YouTube e divas do Instagram, todo mundo merece ter a mesma oportunidade. Era o sonho americano na idade digital e a FCC acaba de esmagá-lo.
No entanto, ainda não é o fim. Grupos de defesa da neutralidade e o procurador geral de Nova York, Eric T. Schneiderman, vão à Justiça contra a FCC e o Congresso tem o poder de reverter a decisão.
Pelo Congressional Review Act, o Congresso tem 60 dias para analisar a decisão e pode revogá-la por maioria simples.
Os democratas Ed Markey e Mike Doyle já prometeram levantar a questão.
Não estão sós: antes da decisão da FCC, 39 senadores democratas enviaram uma carta a Pai pedindo que desistisse de derrubar as proteções da Title II.
O sonho digital pode ter sido esmagado, mas não está morto.
PS do Viomundo: E o Brasil com isso? Aberta a porta nos Estados Unidos, alguém duvida que o mesmo se dará no Brasil, se é que já não está acontecendo sem qualquer regulamentação ou inspeção?
VIA Jessica Conditt, no Engadget, com parênteses do Viomundo