Dois desembargadores do Amazonas alegaram-se suspeitos de julgar pedido do Ministério Público do Estado (MP-AM) para investigar o prefeito de Manaus, David Almeida (Avante), por suspeitas de irregularidades na relação do gestor municipal com empresários que mantêm contratos com a prefeitura da capital amazonense, segundo aponta o jornal O Globo. Entre os episódios citados estão duas viagens ao Caribe. O pedido está “travado” há mais de um ano.
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A solicitação foi protocolada no Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM) em 16 de setembro de 2024 e, desde então, já passou por pelo menos cinco redistribuições entre magistrados, sem que nenhum tenha assumido o caso, ficando sete meses parado no gabinete de um dos desembargadores. (Veja a nota do TJAM enviada ao O Globo abaixo).
Dois magistrados alegaram suspeição por motivos de foro íntimo. Jorge Manoel Lopes Lins foi escolhido duas vezes, mas declinou em ambas. Ernesto Anselmo Queiroz Chíxaro declarou suspeição em outubro de 2024, mas só encaminhou o processo para redistribuição em abril. Em junho, o caso chegou às mãos da desembargadora Vânia Marques Marinho.
De acordo com nota enviada pelo TJAM ao O Globo, a lentidão no andamento do caso se deve à migração para um novo sistema eletrônico, o Projudi. Como o chefe do Executivo municipal possui foro privilegiado, a abertura de qualquer investigação depende do aval de um desembargador.
Ainda segundo o TJAM, em agosto de 2025, o Ministério Público solicitou o desmembramento do Procedimento Investigatório Criminal (PIC) em mais sete procedimentos, totalizando oito processos (o principal e sete apensos). A atual relatora acolheu o pedido e todos já foram desmembrados, com os integrantes do Ministério Público, indicados pelo órgão ministerial, devidamente cadastrados para acesso aos autos.
“Por fim, no último dia 9, após o saneamento dos processos, o Ministério Público apresentou pedido de autorização para instauração dos PIC’s, o qual será encaminhado à desembargadora-relatora para análise“, declarou o TJAM.
Leia a nota na íntegra:
Tribunal de Justiça do Amazonas
“O Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM) informa que o Procedimento Investigatório Criminal (PIC) mencionado encontra-se em trâmite regular, com os atos sendo praticados dentro das atribuições do Poder Judiciário.
O referido procedimento foi protocolado em 16/09/2024, com petição solicitando a decretação de Sigilo Absoluto, sem qualquer indicação de pessoa(s) investigada(s) naquele momento. O sigilo foi determinado em 23/09/2024.
Em 04/10/2024, houve averbação de suspeição do magistrado que inicialmente estava com o processo, o qual foi redistribuído em 07/10/2024 para o desembargador Anselmo Chíxaro. Nesse mesmo dia, o desembargador também averbou suspeição e determinou nova redistribuição. Ocorre que, à época, o Tribunal estava em fase de migração do sistema processual anterior para o atual sistema eletrônico Projudi, o que pode ter influenciado na demora da redistribuição. E por estar sob sigilo absoluto, apenas os profissionais devidamente cadastrados nos autos têm acesso à movimentação processual.
Após observar que o processo ainda permanecia vinculado ao seu gabinete, o desembargador determinou, em abril deste ano, o cumprimento da decisão anterior, com a redistribuição dos autos. Outros três magistrados chegaram a ser sorteados, porém, foram determinadas novas redistribuições — para desembargador de área criminal e por averbações de suspeição — até que, em 03 de junho de 2025, o processo foi sorteado para a desembargadora Vânia Marques Marinho, que atualmente conduz o feito.
Em agosto de 2025, o Ministério Público requereu o desmembramento do PIC em mais sete procedimentos, totalizando oito processos (o principal e sete apensos). A atual relatora acolheu o pedido e todos já foram desmembrados, com os integrantes do MP indicados pelo órgão ministerial devidamente cadastrados para acesso aos autos.
Por fim, no último dia 9, após o saneamento dos processos, o Ministério Público apresentou pedido de autorização para instauração dos PIC’s, o qual será encaminhado à desembargadora-relatora para análise.“
Viagem ao Caribe
De acordo com O Globo, o MP-AM solicitou autorização judicial para investigar viagens do prefeito ao Caribe durante os carnavais de 2024 e 2025. Em uma dessas ocasiões, a primeira-dama de Manaus, Izabelle Fontenelle, foi filmada em uma festa no clube Nikki Beach Saint Barth, na ilha de São Martinho, acompanhada de empresários com contratos milionários com a prefeitura.

Segundo o Ministério Público, David Almeida viajou em jato particular cedido pelo empresário Roberto de Souza Lopes, que tem histórico de negócios com a administração municipal. Na época, Lopes alegou, por meio de nota, que a viagem com o prefeito, em período de folga, não configura ilegalidade.
A promotoria também pretende investigar contratos da sogra do prefeito, Lidiane Oliveira Fontenelle, com uma das fornecedoras da prefeitura. A microempresa de Lidiane, a LOF Fênix, recebeu pagamentos mensais de R$ 20 mil da Rio Piorini, vencedora de diversas licitações milionárias. O MP apura possíveis crimes de corrupção passiva, fraude em licitação e peculato.
Murb Serviços
Conforme mostrou a CENARIUM, em setembro deste ano, a partir documentos aos quais teve acesso com exclusividade, Lidiane Oliveira Fontenelle, mãe de Izabelle Fontenelle, também teve relação com a empresa Murb Manutenção e Serviços Urbanos Ltda., responsável por contratos que somam mais de R$ 300 milhões com a Prefeitura de Manaus. Ela atuou como administradora do empreendimento.
Os registros – que ligam a sogra de David Almeida (Avante) ao empreendimento que virou alvo de ação do Ministério Público de Contas do Amazonas (MPC) – incluíam contratos de trabalho assinados em setembro e dezembro de 2022 e detalham a contratação e posterior rescisão de funcionário.

Os contratos obtidos pela reportagem mostram que Lidiane Fontenelle formalizou a contratação de um prestador de serviços, incluindo função, remuneração e obrigações da empresa. O vínculo teve início em caráter de experiência em 18 de julho de 2022 e foi encerrado em dezembro daquele ano, com rescisão registrada.
Os documentos apontam que Lidiane administrava a Murb no período em que a empresa registrou uma série de manutenção em contratos com a gestão municipal. Veja outro documento assinado por Lidiane Fontenelle:

A Murb aparece em registros do Diário Oficial do Município (DOM) como responsável por serviços de limpeza urbana, com contratos que ultrapassam R$ 300 milhões, sobretudo na Secretaria Municipal de Limpeza Urbana (Semulsp). A prestação de serviços prevê o “Serviço Especializado em Conservação e Limpeza Urbana de Logradouros Públicos de Manaus”.
A reportagem apurou, com base em dados do Portal da Transparência, que o empreendimento recebeu R$ 323 milhões divididos em 14 vezes, entre 2022 e 2025. O valor mais alto que a empresa recebeu foi referente ao empenho 380101000012024NE00047, e o montante foi pago entre março e novembro de 2022, quando Lidiane já assinava como administradora. Veja todos pagamentos:

VIA CENARIUM


